Este texto não substitui o publicado no Diário Oficial do Município - DOM.
RESOLUÇÃO COMDEMA Nº 04/2012
A ILEGALIDADE DA DOAÇÃO DE PARTE DA ÁREA DO LAGO DO CAFÉ PELA PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPINAS
(Publicação DOM 19/06/2012 p.15)
O Município
de Campinas ocupa uma área de 795Km² (dado IBGE 2010) e população com mais de
um milhão de habitantes vivendo, predominantemente, na zona urbana onde um dos
principais problemas é a impermeabilização dos solos devido às construções de
imóveis, rodovias, ruas e outras ações antrópicas que dificultam ou impedem a
infiltração das águas das chuvas.
Sendo
assim, a doação de glebas situadas em praças e parques não é recomendada, até
mesmo porque é muito baixa a porcentagem de cobertura vegetal do município de
Campinas onde o Poder Público não protege, efetivamente, nem mesmo as áreas
legalmente protegidas.
De acordo
com o mapa de áreas verdes remanescentes (Santin 1999) o território campineiro
tinha cobertura vegetal minimamente representada por 2.033 ha de vegetação
remanescente, o equivalente a 2,5% da área municipal.
Atualmente
esta situação ainda é preocupante, apesar daquela porcentagem ter se elevado a
6,26%, equivalente a 4.986,91 ha, conforme resultado da atualização do referido
mapa em trabalho realizado através de convênio UNICAMP/PMC em 2010.
O dado
atual citado refere-se à comparação das mesmas áreas mapeadas em 1999
considerando, inclusive, áreas que foram suprimidas.
Entretanto,
o aumento registrado não se deve a efetivação de alguma política visando a
preservação ou a recuperação ambiental mas é devido, quase que exclusivamente,
à regeneração espontânea que ocorreu em áreas situadas no entorno da maioria
dos fragmentos florestais.
Além disso,
as margens da maioria dos córregos e ribeirões e das cabeceiras de nascentes
encontram-se quase que totalmente desprovidas de vegetação ciliar (vide mapas
SMMA-PMC 2010).
O município
de Campinas registra ao longo de sua história uma ocupação desordenada do seu
território o que tem levado à impermeabilização de muitas áreas onde legalmente
deveria existir cobertura vegetal.
Isto ocorre
em diversas situações: em Áreas de Preservação Permanente (APP), nos locais
onde deveria existir floresta ciliar; em áreas de parques e de bosques, onde a
cobertura vegetal deveria estar implantada contemplando indivíduos arbóreos,
arbustivos e herbáceos específicos; nas calçadas, praças e canteiros centrais
onde a arborização existente vem sendo suprimida e não é replantada, violando
também a Lei Municipal de Arborização,
Lei nº 11.571
/2003.
Ou seja, o
"verde público" campineiro tem sido vilipendiado ao longo de décadas
refletindo a forma aculturada como Campinas tem sido governada.
O respeito
às árvores e às áreas verdes públicas em uma cidade é refletido através do seu
grau de preservação e espelha o nível de sua população e de seus governantes.
No período
das chuvas tornou-se uma constante a formação de espessas lâminas d'água
correndo sobre ruas e calçadas devido ao escoamento das águas pluviais que não
encontram superfície permeável para se infiltrar.
Este fato
tem contribuído com o aumento da ocorrência de enchentes tanto em bairros da
periferia como em bairros nobres da cidade.
Contribuem
para esse evento todas as impermeabilizações que vem sendo postas em prática ao
longo dos anos, tais como colocação de cimento nos pés das árvores em locais
onde deveriam existir coroas para auxiliar na infiltração d´água; praças
áridas, totalmente calçadas nos locais onde deveriam existir jardins com
árvores e arbustos; calçadas totalmente cimentadas e áreas de quintais e
frontais das residências totalmente revestidas de piso.
As áreas
verdes públicas são oásis situados em meio à selva de concreto e asfalto em que
está transformada a área urbana.
Dentre
estes oásis o Lago do Café desempenha importante função ambiental.
A
manutenção da permeabilidade dessa área é de importância crucial,
principalmente, na região central onde a zona urbana é densamente povoada.
O Lago do
Café assim como a Lagoa do Taquaral e outras áreas de parques, bosques e praças
da cidade assumem a função de verdadeiras esponjas gigantes ou válvulas
anti-enchente, contribuindo para minimizar danos locais e, consequentemente,
nas regiões situadas a jusante.
Por esta
razão é que todas as legislações definem que tais áreas devem ter proteção
permanente e asseguram que sua destinação não deve ser modificada.
Estas áreas
são exatamente e unicamente aquilo que restou de área permeável assegurada no
passado. Portanto, urge considerá-las como organismos vivos, úteis e
imprescindíveis para a manutenção da qualidade de vida da população.
Tais áreas
devem ser mantidas fiéis à sua destinação e aos seus usos, pois, são
necessárias para o bem estar da população oferecendo além dos serviços
ambientais e sociais, lazer ecológico, cultural, esportivo, área de
contemplação para pessoas de todas as faixas etária e econômica.
Os bairros
do entorno do Lago do Café tiveram crescimento e ocupação em nível recorde.
Atualmente a área do Lago do Café está relegada ao abandono devido a infestação
de carrapatos.
Todavia, é
uma área com potencial de visitação, educação e lazer incontestável.
Sua vocação
e destinação é atender às necessidades de uma população crescente que anseia
por mais espaço e diariamente satura a Lagoa do Taquaral (Parque Portugal).
Em que pese
a importância da construção dessa unidade policial para o interesse da
população de Campinas e região, a mencionada doação além de causar danos
ambientais incomensuráveis e irreparáveis, é também manifestamente ilegal, pois
as praças e os parques municipais são protegidos pela legislação brasileira,
que impedem a alteração das suas finalidades, quais sejam a de preservar e
proteger o meio ambiente, e de proporcionar qualidade de vida para a população.
Na
realidade, a lei protege o meio ambiente como bem da coletividade, desde a
Constituição Federal, passando pela Constituição Estadual e até as leis
infraconstitucionais.
Pela
Constituição Federal é competência comum da União, dos Estados, e municípios a
proteção do meio ambiente, de acordo com o art. 23, VI.
No capítulo
sexto, que trata especificamente do meio ambiente, a Constituição prevê no art.
225 que:
"Todos
têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".
A
Constituição Federal ainda determina que os municípios sejam regidos por lei
orgânica própria, conforme art. 29.
Assim,
analisando a Lei Orgânica da cidade de Campinas depreende-se que em seu Artigo
5º está definido que:
"Compete
ao Município, concorrentemente com a União e o Estado, as seguintes
atribuições:
VI -
proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas
formas".
Já o seu
artigo 186 aduz que:
"Todos
tem direito ao meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado, impondo-se
a todos, e em especial ao Poder Público Municipal, o dever de defendê-lo,
preservá-lo para o benefício das gerações atuais e futuras".
O art. 188
prevê como atribuições e finalidades do sistema de administração:
VIII -
estimular e contribuir para a recuperação da vegetação em áreas urbanas,
objetivando o aumento da área de cobertura vegetal".
E o mais
importante, no art. 190 a Lei Orgânica expõe:
"São
consideradas áreas de proteção permanente:
V - as
praças, bosques, os parques, jardins públicos e maciços florestais naturais ou
plantados de domínio público e privados.
Esse artigo
é tão explícito que torna desnecessário citar outras legislações que embasam a
afirmação da ilegalidade das doações de áreas verdes, entretanto, a fim de
demonstrar o rigoroso interesse do legislador em proteger as praças e os
parques, prossegue-se com a apresentação do ordenamento jurídico que será
violado pelo Poder Público municipal caso haja a aprovação da Lei que doa parte
do Lago do Café.
Como é
cediço, a Constituição Federal obriga a todos municípios com população acima de
20.000 habitantes a estabelecerem uma política de desenvolvimento urbano
através de um Plano Diretor, de acordo com o art. 182.
Esta
obrigatoriedade foi regulamentada pela Lei 10.257/2001, também chamada de
Estatuto das Cidades.
Este
Estatuto estabelece no art. 2º, XII que o objetivo da política urbana é ordenar
o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana,
mediante diretrizes gerais, como a "proteção, preservação e recuperação do
meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico,
paisagístico e arqueológico".
Da mesma
forma, a Constituição do Estado de São Paulo prevê no seu art. 180, III, que
cabe ao Estado e aos Municípios assegurar: "a preservação, proteção e
recuperação do meio ambiente urbano e cultural".
Avaliando o
tema agora sobre a égide do Código Civil depreende-se que:
Art. 99. I
- "São bens públicos: os de uso comum do povo, tais como rios, mares,
estradas, ruas e praças".
Há ainda a
Lei Federal nº 6.938/81, denominada Política Nacional do Meio Ambiente, que
também sofreu violação com a lei sancionada pelo alcaide campineiro.
Acontece
que no art. 2º está definido que a Política Nacional do Meio Ambiente tem por
objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia
à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento
sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade
da vida humana, atendidos os seguintes princípios:
I - ação
governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio
ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e
protegido, tendo em vista o uso coletivo".
Posto isto,
e tendo como certo que a doação total ou parcial de áreas de praças e parques
fere a legislação Federal, Estadual e Municipal por causar danos ao meio
ambiente, o COMDEMA se manifesta pelo envio dessa resolução ao sr. Prefeito de
Campinas e à Câmara dos Vereadores a fim de que seja tirada da pauta de votação
o projeto de doação de uma área do Lago do Café para a construção de uma sede
para a Polícia Federal de Campinas.
Campinas, 18 de junho de 2012
ANTONIO CARLOS CHIMINAZZO
SECRETÁRIO
EXECUTIVO DO COMDEMA